São João da Cruz: Doutor e Místico
São João da Cruz (1542-1591) foi o
místico, que juntamente com Santa Teresa de Jesus (1515-1582), empenhou-se na
Reforma da Ordem Carmelita no século XVI. São João da Cruz procurava no silêncio
e na solidão a busca pela União com Deus e não conseguia ver isso nos
Carmelitas de então. Enquanto pensava entrar numa Ordem Religiosa mais austera,
encontrou-se com Santa Teresa que propôs uma Reforma na Ordem Carmelita para
buscar o ideal de seus inícios: silêncio e solidão na União com Deus. Junto com
outros companheiros iniciou essa nova experiência, porém, isso criou um grande
descontentamento na Ordem e provocou uma dura perseguição a esses religiosos
que buscavam a Reforma, principalmente São João da Cruz.
No auge dessa perseguição, São João
da Cruz foi preso em Toledo por seus confrades em 1577. Nesse sofrimento surge
os seus mais belos poemas e pensamentos sobre a união com Deus.
Para São João da Cruz, a União com
Deus provoca na alma a chamada noite escura, fruto não de trevas exteriores,
mas do próprio processo da união da alma com Deus:
Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias inflamada
Oh! ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.
(Canções da Alma. Noite Escura).
Essa noite escura, é causada pelo
próprio processo da União com Deus, pois o que a causa é o fogo amoroso de
Deus, que vai consumindo a alma e fazendo unir-se ao próprio Deus (Cf. 2 Noite
Escura 12,1).
O fundamento da Mística de São João
da Cruz é a União da alma com Deus, e o santo utiliza de toda um aparato
literário e simbólico para demonstrar essa união.
A experiência mística seria então a
União, porém “Deus não se comunica à alma mediante qualquer espécie de visão
imaginária, semelhança ou figuração e nem é preciso que assim o faça, mas boca
a boca, isto é, a essência pura e nua de Deus que é a boca do Deus que ama, com
a essência pura e nua da alma que é aboca da alma que ama a Deus” (2 Subida do
Monte Carmelo 16, 9).
Deus chama não os “santos” para
entrar em comunhão com Ele, mas o homem pecador que O deseja ardentemente, “pois
a conversão do pecador dá a Deus a ocasião de expandir uma medida mais
abundante da graça” (Chama Viva de Amor 3, 42). Como disse Jesus: “Os sãos não
precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e sim pecadores”
(Mc 2, 17).
Essa União transformante (Cf.
Cântico Espiritual 22,3) acontece pelo amor e no amor, como explica o próprio
São João da Cruz. “É o próprio Deus quem se comunica à alma, com admirável
glória, transformando-a nele; ambos não fazem mais que um, por assim dizer como
a vidraça com o raio de sol que ilumina, ou como o carvão inflamado e o fogo,
ou ainda como a luz das estrelas com a do sol” (Cântico Espiritual 26, 4).
Na medida que esse intercâmbio entre Deus
e a alma acontece, há uma transformação profunda da alma através e no amor de
Deus. Pois a medida em que Deus se dá à alma, com livre e graciosa vontade, a
alma também une sua vontade à vontade de Deus de forma mais livre e generosa.
Entrega-se como dom ao mesmo Deus e em Deus. Essa entrega, essa dádiva da alma,
é total e verdadeira. A alma começa a experimentar que Deus é verdadeiramente
todo seu, e que ela possui esse mesmo Deus como sua única e verdadeira herança,
e sente-se como filha adotiva de Deus, não por mérito seu, mas por graça
concedida por esse mesmo Deus, que se dá à alma (Chama Viva 3,78).
Sem entrar nas dimensões cristológica e trinitária desse processo de União, mas
queremos mencionar que o Espírito Santo é esta chama que vai queimando no amor
as almas (Cf. Chama Viva 1,19) e nessa transformação “é a caridade causa e meio
para comunicação dos dons divinos” (2 Subida do Monte Carmelo 29, 6). E assim “A
transformação da alma em Deus por amor logo se opera” (1 Subida do Monte
Carmelo 2,4). Uma vez transformada essa alma se torna verdadeiramente “sal da
terra e luz do mundo” (Cf. Mt 5,13-14).
Peçamos ao Senhor, pela intercessão de São
João da Cruz, que façamos essa experiência do Amor de Deus, que seja uma
experiência de União e ao nos unirmos ao Senhor, sejamos transformados por seu
amor, e nos tornemos transformantes da humanidade, hoje, tão distante de Deus.
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