MÍSTICA CRISTÃ
O Mistério escondido desde os
séculos e gerações (cf. Cl 1, 26), foi-nos revelado em Cristo Jesus (cf. Cl 4,
3). Deus em sua bondade manifesta o Mistério de sua vontade, isto é, reunir
todas as coisas em Cristo (cf. Ef 1, 9), a fim de que os seres humanos,
estreitamente unidos pela caridade, compreendam o Mistério de Deus (cf. Cl 2,
2).
Jesus revela o Mistério do
amor do Pai em toda a sua existência, em suas palavras, em sua maneira de ser e
de se portar.[1] Por isso, o encontro com Jesus é encontro com
o Mistério de Deus que se revela, o amor de Deus que vem ao encontro do ser
humano numa Entrega encarnada.
A
revelação do Mistério do amor de Deus acontece nos vários encontros que Jesus
tem com diversas categorias de pessoas. Nesses encontros, Jesus através de seu
estilo de comportamento motivacional, isto é, seu modo de ser, procura suscitar
no coração das pessoas a conversão e a fé pela qual o ser humano se entrega a
Deus. Dom da fé que torna essas pessoas anunciadoras do Mistério em suas
próprias vidas.
Jesus
utilizou-se da pedagogia divina do amor com os doze apóstolos. Jesus os chama e
convida para que se tornem pescadores de homens, a reação dos chamados é o
desprendimento da vida que levavam, representada pelas redes, para entrega no
seguimento (cf. Mc 1, 17-18). Após o primeiro contato, inicia-se o processo do
conhecimento e do crescimento, como o demonstra o chamado “dia de Cafarnaum”.
Jesus ensina, cura os doentes e declara que evangelizar é o centro de sua
missão (cf. Mc 1, 21-39). Jesus escolhe os doze para que ficassem com ele, para
depois enviá-los a pregar (cf. Mc 3, 13). É na intimidade com o Mestre que eles
aprenderão a serem discípulos e enviados. No envio dos Doze, Jesus recomenda
que a missão seja feita com simplicidade e confiança em Deus (Cf. Mt 10, 7-15).
O
crescimento interior do grupo dos doze comporta eventuais crises, isto é, para
crescer era necessário passar por problemas, dúvidas, inquietações, decepções
etc. Os apóstolos deveriam atender as necessidades dos pobres e sofridos,
quando da multiplicação dos pães, os apóstolos sugerem que Jesus despedisse as
multidões, porém Jesus lhes diz: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6, 37). Os
apóstolos são chamados a servir, mas no itinerário de crescimento na fé se
pensa em ser o maior, em dominar, em ter o poder. Por isso, diante de uma
discussão de quem seria o maior, Jesus exorta: “Se alguém quiser ser o
primeiro, seja o último de todos e o servo de todos” (Mc 9, 35). O fruto do
itinerário é o reconhecimento de Jesus como Salvador, que se traduz em
testemunho apostólico de dar a própria vida ao serviço dos irmãos, inclusive no
martírio. Esta é a maturidade apostólica que se consegue ao seguir o Senhor
Jesus.
Outros encontros pedagógicos
com Jesus aconteceram. O encontro pode ser através da pregação, na qual Jesus
procura mudar a disposição interior dos ouvintes, levá-los a uma compreensão
correta da lei, para que assim aprendam a amar. Por exemplo, o discípulo do
Reino de Deus não deve se contentar com “não matar”, mas não é permitido nem se
encolerizar com seu irmão (cf. Mt 5, 21-22).
Jesus
foi ao encontro dos pecadores e dos que estão doentes, daqueles que estão sob a
dominação e excluídos do convívio do amor (cf. Mc 2, 17).
Outras vezes, foi no encontro
pessoal que a disposição interior foi motivada por Jesus. Nesses encontros,
Jesus acolhe efetiva e afetivamente as pessoas, como por exemplo, as crianças
(cf. Lc 18, 15), bem como acolhe as demonstrações de afeto, como as da pecadora
arrependida (cf. Lc 7, 36-50).
Outros exemplos. Jesus entra
de modo ousado na vida do pecador Zaqueu (cf. Lc 19, 1-10), sem se importar com
o olhar da multidão. Por outro lado, Zaqueu, respondendo ao convite de Jesus,
muda suas disposições pessoais em vista do Reino de Deus, apresentando os
sinais concretos de que quer aprender a amar no dom ao outro, conforme ele
mesmo diz: “Senhor, eis que dou a metade de meus bens aos pobres, e se
defraudei a alguém, restituo-lhe o quádruplo” (Lc 19, 8).
Jesus no
contato com a hemorroíssa (cf. Lc 8, 40-56) não despreza a sua fé incipiente ou
mágica, mas a acolhe misericordiosamente, transformando uma crença mágica numa
fé que salva,[2]
levando aquela mulher à plena dignidade de uma filha de Deus (cf. Lc 8, 48). No
caso da Samaritana se evidencia a incompreensão humana diante do Mistério do
amor de Deus (cf. Jo 4, 1-42). Mas a paciente pedagogia divina não somente
satisfaz às suas aspirações humanas, mas também as suscita.[3]
Jesus quer fazer aquela mulher crescer, a partir de sua disposição pessoal,
quer levá-la a se modelar ao projeto de Deus, tornando-a uma testemunha do
Reino (cf. Jo 4, 39). No centurião, Jesus encontra a abertura plena à salvação,
pois o centurião acredita plenamente na eficácia da Palavra (cf. Lc 7, 1-10).
Entretanto,
Jesus também se encontrou com a incompreensão humana do Mistério relevado nele.
Os conterrâneos nazarenos de Jesus (cf. Mc 6, 1-6) tentam enquadrar Jesus
dentro de seus parâmetros de “filho do carpinteiro” e se prendem aos milagres
como extravagâncias divinas, por isso não se abrem ao amor de Deus e por
conseqüência fecham-se à autodoação de Deus.
Jesus
anuncia a salvação e através de sinais demonstra o amor de Deus pelos homens. O
cume dessa obra de salvação é a Entrega de Cristo a seu Pai por nossos pecados.
Jesus amou o ser humano até o extremo (cf. Jo 13, 1). Por sua vez, o fechamento
do ser humano a Deus é sanado pela Entrega salvadora de Jesus em seu
sacrifício. Essa auto-entrega na Cruz é que atrai e atrairá o ser humano ao
amor de Deus, como diz o próprio Jesus: “quando eu for elevado da terra,
atrairei todos a mim” (Jo 12, 32).
São
Paulo vai afirmar que:
“Eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus,
não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria. 2 Porque
decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado. 3
E foi em fraqueza, temor e grande tremor que eu estive entre vós.
4 A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem
persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, 5 para
que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus”.[4]
A
sabedoria de Deus é Cristo crucificado, sabedoria escondida em mistério e agora
revelada (cf. 1 Cor 2, 7). Como também o Reino de Deus é dado a conhecer
àqueles que estão na intimidade de Jesus e não aos de fora (cf. Mt 13,
11).
A cruz
se torna Fonte da Vida para todo ser humano. Antes de morrer, Jesus institui o
memorial de sua Entrega, e cada ser humano deve ser atraído a este mistério do
amor de Deus presente na Eucaristia, como centro da vida da Igreja e da Mística.
Cada ser humano é, pois, chamado a amar como Cristo amou, isto é, na Entrega ao
outro, na graça da autodoação (cf. Jo 13, 34). Esse é o Mistério ao qual cada
ser humano deve motivar-se, aprendendo do Mestre a se entregar ao próximo e a
Deus.
Portanto, Jesus revela o
Mistério do amor-entrega de Deus ao ser humano. Em sua pedagogia de amor Jesus
leva as pessoas a se abrirem a esta Entrega e a viverem em suas vidas.
Essa experiência hoje é vivida
pelo cristão, e numa dimensão mística a experiência do amor de Deus é intuída,
confirmada pela Revelação, na Bíblia e na Tradição, e nos sinais do amor de
Deus hoje, na Liturgia e na Vida.
Por isso, uma Mística Cristã,
pode ser pensada através dos pontos seguintes que serão posteriormente
trabalhados:
- Mística Cristã, isto é, a
experiência intuitiva e simbólica do Mistério de Deus Revelado em Jesus Cristo,
deve estar de acordo com a Sagrada Escritura e com a Tradição da Igreja. “E
sempre fui amiga deles (dos letrados), pois, mesmo que alguns não tenham
experiência, não se opõem ao que é espiritual nem o ignoram, já que, nas
Sagradas Escrituras que estudam, sempre acham a verdade do bom espírito” (Santa
Teresa de Jesus, Livro da Vida, 13, 18).
- Busca encontrar Deus na
Liturgia e experimentar o Mistério presente no Esplendor da celebração do
Mistério Pascal.
- Os sinais do amor de Deus
são perscrutados em cada relacionamento humano e na natureza que ressoa a voz
de Deus (cf. salmo 19).
- O Espírito Santo é o Mestre
Interior que conduz a experiência mística, sem aniquilar o humano, mas
assumindo-o e levando até Deus.
- A Mística Cristã é eclesial.
Toda a experiência mística leva a um amor profundo pela Igreja e contemplá-la
como o Corpo Místico de Cristo.
- A Mística é experiência de
Entrega, na oração e na vida, seja de Deus a nós por seu Filho no Espírito, e
também nossa entrega a Deus em nossa vida. “Para mim, a oração mental não é
senão tratar de amizade – estando muitas vezes tratando a sós – com quem
sabemos que nos ama” (Santa Teresa de Jesus, Livro da Vida 8, 5).
Enfim, temas variados podem
ser trabalhados, mas sempre brotam dessa Entrega e voltamos a Deus através
dessa mesma Entrega.
[1] Cf.
CATECISMO da Igreja Católica, 1997. Petrópolis: Vozes, 1998, 516.
[2]
Cf. FABRIS, R. O evangelho de Lucas. In: Os
evangelhos II. São Paulo: Loyola, 1992, (Bíblica Loyola 2), p. 96.
[3]
Cf. MAGGIONI, B. O evangelho de João. In: Os
evangelhos II. São Paulo: Loyola, 1992, (Bíblica Loyola 2), p. 315.
[4]Sociedade
Bíblica do Brasil: Almeida Revista E Atualizada - Com Números De Strong.
Sociedade Bíblica do Brasil, 2003; 2005, S. 1Co 2:5
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