quarta-feira, 24 de junho de 2020

DIÁRIO DE AUTOCONHECIMENTO EM DEUS


DIÁRIO DE AUTOCONHECIMENTO EM DEUS

         “Observareis todos os mandamentos que hoje vos ordeno cumprir, para que vivais e vos multipliqueis, entreis e possuais a terra que Iahweh, sob juramento, prometeu aos vossos pais. Lembra-te, porém, de todo o caminho que Iahweh teu Deus te fez percorrer durante quarenta anos no deserto, a fim de humilhar-te, tentar-te conhecer o que tinhas no coração: irias observar seus mandamentos ou não?” (Dt 8,1-2)
         Há muita necessidade de diretores espirituais e orientadores para que possamos crescer espiritualmente, porém, muitas vezes não conseguimos encontrar ou não há disponibilidade de pessoas para isso. Mas então ficaremos ao léu, jogado ao gosto das ondas do mar da vida? Não. Deus não nos desampara, porém precisamos de instrumentos para isso. O Diário de autoconhecimento em Deus pode ser um instrumento para crescermos espiritualmente.
         A própria Sagrada Escritura nos dá um rumo para isso. Na passagem acima de Deuteronômio nos diz que é preciso observar os mandamentos, cumpri-los, “fazer”, a vontade de Deus precisa ser realizada em nossa vida. Por isso, somos convidados a lembrar o caminho que Deus nos fez percorrer em nossa vida. Não escolhemos os nossos pais, porém é preciso entender o que foi todo o nosso processo educacional. Hoje decisões tomamos, provados somos o tempo todo, porém se não entendermos o sofrimento, este simplesmente passará e não aproveitaremos nada de crescimento. É preciso conhecer o que temos no coração, o centro da nossa decisão, para podermos realizar a vontade de Deus em nós.
         Será que é preciso mesmo se autoconhecer? Há pessoas que tem medo de se autoconhecer ou tem preconceito por causa da influência de correntes gnósticas ou de outras religiões. Mas leiamos o que diz Frei Maria-Eugênio:
“Conhecer a Deus, conhecer-se a si mesmo à luz de Deus: é este o duplo conhecimento que constitui o fundamento da vida espiritual, regula seu movimento, indica-lhe os progressos e assegura sua perfeição” (Frei Maria-Eugênio do Menino Jesus, OCD. Quero ver a Deus. Petrópolis: Vozes, 2015, n. 53).
         O autoconhecimento, conhecer-se a si próprio, sempre à luz de Deus e assim conhecemos Deus. Mas como?
Gn 1,26-27 26Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra". 27Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou.

         Se somos imagem e semelhança de Deus, nós temos que conhecer esse Deus que está em nós. Somos Templos do Espírito Santo (cf. 1 Cor 6,19), morada de Deus (Cf. Jo 14,23), então devemos conhecer Deus que se hospeda em nossos corpos, conhecer a imagem de Deus que somos. O salmo 139 vai no mesmo sentido:
“Eu te celebro por tanto prodígio, e me maravilho com as tuas maravilhas! Conhecias até o fundo do meu ser” (Salmo 139,14). Deus nos conhece totalmente e quer que o glorifiquemos pela maravilha que é a nossa vida, o nosso ser.

Jesus também é aquele que conhecia o que é o ser humano:
Jo 2,24-25
Mas Jesus não tinha confiança neles, porque os conhecia a todos 25e não necessitava que lhe dessem testemunho sobre o homem, porque ele conhecia o que havia no homem.

E se é do coração que brota os pecados, é do mesmo coração que brotam as virtudes. O coração é o centro das decisões, por isso precisamos entender como nós decidimos. E qual é o objetivo final? São Paulo nos diz:

Gálatas 2.20
“Logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim”.

O objetivo é que eu não mais viva, mas Cristo viva em mim. Então serei despersonalizado? Não, serei mais eu. Se fomos criados à imagem e semelhança de Deus, e o Verbo encarnado é a imagem do Pai e fomos criados à semelhança dessa imagem. Conforme Colossenses diz de Jesus: “Ele é a Imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda criatura” (1,15). Então devemos conhecer-nos para atingir Cristo vivendo em cada um de nós. Esse é o objetivo, fomos criados para isso.

Por fim, enquanto envelhecemos, São Paulo nos diz, o homem exterior vai para a ruína, o homem interior tem que crescer sempre, (Cf. 2 Cor 4,16) por isso é preciso conhecer esse homem interior para fazê-lo crescer pela graça de Deus. Idade não faz ninguém crescer, tanto que há pessoas más e com muitos cabelos brancos, o nosso crescimento é interior, é crescer em decisões por Deus, para realizar atos de virtude que louvam a Deus.

         Olhemos agora o que Santa Teresa de Jesus diz sobre autoconhecimento ou conhecimento de si:
1. A finalidade do autoconhecimento é conhecer a Deus:
“A meu ver, jamais chegamos a nos conhecer totalmente se não procuramos conhecer a Deus. Olhando a sua grandeza, percebemos a nossa baixeza...” 1 M 2, 9.
2. A humildade, aceitar que somos criaturas, a verdade que somos, é a chave do autoconhecimento em Deus, também para não cairmos no orgulho:
“Por isso digo, filhas: ponhamos os olhos em Cristo, nosso bem, e com ele aprenderemos a verdadeira humildade...Isso evitará que o nosso conhecimento próprio se torne rasteiro e covarde”. 1 M 1 M 2,11
3. O caminho espiritual é entendermos também porque pecamos. Há pessoas que pecam, se confessam, e esquecem. Fazendo isso podemos voltar aos mesmos pecados. Entender porque pecados é fundamental para não voltarmos aos mesmos pecados e isso faz parte do nosso autoconhecimento e se torna fator de crescimento espiritual.
“os pecados e conhecimento próprio são o pão com que todos os manjares, por mais delicados, devem ser comidos nesse caminho da oração – sem o qual ninguém poderia se sustentar V 13,15
4. A finalidade da contemplação é o autoconhecimento:
“por mais elevada que seja a contemplação, concluir sempre com o conhecimento próprio” C 39,5
5. Um dia de humilde, frisemos o humilde, autoconhecimento é maior graça do que muitos dias de oração:
“E considero maior graça de Deus um dia de humilde autoconhecimento, mesmo à custa de muitos sofrimentos e aflições, que muitos dias de oração” F 5,16.
         E porque escrever?
         O escrever, inclusive manuscrito, nos ajuda a objetivar o interior, sentimentos, ideias, nos ajuda a trabalhar o que temos em nós.

         O registro escrito faz parte da nossa vida e até da Revelação:
Ex 24,4a Moisés escreveu todas as palavras de Iahweh.

         Esse diário será feito sempre diante de Deus. Não é um autoconhecimento orgulhoso de si mesmo, mas para conhecer a imagem que somos de Deus e o próprio Deus, por isso será feito sempre no diálogo com Deus. Nunca será “Meu Diário”, mas “Meu Deus” ou “Senhor nosso”. É um diário orante.

         Os salmistas foram homens que registraram a experiência de vida própria ou do seu povo, olhemos esses dois exemplos:

Salmo 119,71
71Foi-me bom ter eu passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos.

Salmo 76 (77)

10 Será que Deus se esqueceu de ter piedade? * 
Será que a ira lhe fechou o coração? 
11 Eu confesso que é esta a minha dor: * 
‘A mão de Deus não é a mesma: está mudada!’ 
12 Mas, recordando os grandes feitos do passado, *
vossos prodígios eu relembro, ó Senhor; 
13 eu medito sobre as vossas maravilhas * 
e sobre as obras grandiosas que fizestes. 

         Somente uma pessoa que se conhece, conhece o que passou dentro do sofrimento pode entender que foi bom sofrer para poder aprender os decretos, o fazer a vontade de Deus. E no segundo caso, o salmista é franco perante Deus, questiona-se de onde está Deus perante a maldade humana. E o que o salmista faz, qual a solução? Recordar a obra de Deus no passado. Um bom exemplo, de como um diário é escrito, é o diálogo do salmista:
“Por que te curvas, ó minha alma, gemendo dentro de mim? Espera em Deus, eu ainda o louvarei, a salvação da minha face e meu Deus” (Salmo 42,6).
         O salmista dialoga consigo mesmo, mas sempre perante Deus. Assim deve ser escrito um diário que busca o autoconhecimento em Deus.

         Como será a prática?
         Pegue uma agenda não utilizada, ou um caderno, e escreva o seu diálogo com Deus sobre aquilo que acontece em sua vida e em sua história, sempre iluminados pela Palavra de Deus contida na Sagrada Escritura. Afinal de contas, a Sagrada Escritura é o registro do que homens e mulheres fizeram no seu relacionamento com Deus e com os homens e consigo mesmas, quais as decisões que tomaram, e aprendemos com essas decisões. Esse diário será a sua “Bíblia”.

Registro
- Data
- Tema se você quiser colocar.
- Sempre reportando-se a Deus, o diário é um diálogo com Deus.
- De maneira orante, isto é, não fazer uma oração, mas um diálogo com Deus.
- Utilize códigos para evitar expor foro interno. Às vezes a pessoa quer falar de sua afetividade, ou de pecados, e fica constrangida em colocar isso por escrito e alguém possa ler. Utilize códigos para escrever, outras palavras, metáforas, de modo que somente você e Deus entenda. Não tenha a preocupação de que isso um dia possa ser lido por alguém, o importante é ter sempre a frente que o objetivo é teu crescimento espiritual. 
- Seja franco. Como o salmista foi. Sempre com respeito, estamos tratando com o Nosso Deus, Sua Majestade como diria Santa Teresa, mas com toda a veracidade, sem hipocrisia. Afinal Ele nos conhece.

Final de cada mês
Anamnesis (Memória)
Três ou mais pontos importantes para registrar do que aconteceu no mês. Olhe mais uma vez Dt 8,1-2. A ordem é “Lembra-te”. Então chegamos ao fim de um mês, é bom registrar, pelo menos três pontos relevantes ou de crescimento, ou de conhecimento, ou grandes ou pequenas decisões. Por que fazer isso se está tudo registrado? Somo prolixos, muitas vezes escrevemos e não refletimos, é importante ver os frutos colhidos, e ter uma objetividade na análise de nosso crescimento espiritual, por isso os três pontos.
Poiein (Fazer)
3 ou mais pontos para realizar como projeto de vida para o mês. Projeto, projetar, vem do latim, pró- para frente, jactare, jogar. Jogar para frente. Olhe mais uma vez Dt 8,1-2. Cumprir é fazer, realizar os mandamentos, a vontade de Deus em minha vida, portanto, terminado um mês o que projeto para esse mês, que decisões devo tomar para crescer em Deus vendo o que foi feito. É necessário tomar decisões, grandes ou pequenas, não interessa, mas tomar decisões.

         Você não precisa tratar somente do cotidiano, mas às vezes Deus suscita uma saudade extrema, então é hora de trabalhar nossos relacionamentos, as pessoas da nossa vida e mais uma vez fazer e escrever memória. Lembrar da nossa criança interior e de sua história. Fazer uma cronologia de vida, ou no geral, ou por exemplo cronologia da vida de trabalho, da vida de estudo, cronologia de um relacionamento, principalmente se este termina. Escrever para conhecer nossos vícios e virtudes, entender sua origem desenvolvimento, perdoar as pessoas que nos fizeram pecar. Também trabalhar o perdão é bom escrever porque nos ajuda a entender o que aconteceu pois o nosso ódio nos cega e não perdoamos em primeiro lugar porque não entendemos, compreender o nosso relacionamento com a pessoa. Em tudo isso é bom fazer orações por escrito louvando a Deus pela nossa História, orações de entrega de pessoas à justiça e misericórdia de Deus, oração de amorização da criança interior e muitos outros assuntos podem ser trabalhados no nosso diário de autoconhecimento, sempre, sempre em Deus. Até livros que lemos, passagens bíblicas que nos tocam, retiros espirituais que queremos registrar o que nos tocou, mesmo bons filmes que mexem conosco e nos fazem crescer, devemos nos perguntar porque esse filme mexeu conosco e colocar tudo isso perante Deus.
         Quais os temas? Simplesmente tudo. Nada está oculto aos olhos de Deus, então tudo aquilo que for significativo deve ser tratado. Como na passagem de Dt 8,1-2, os sofrimentos, tais como as águas de Meriba (Cf. Nm 20,2-13) ou a Serpente de Bronze (Cf. Nm 21,4-9), eu devo ver aquilo que me faz ou fez sofrer e refletir sobre isso. Podemos ficar com vergonha e dizer "como uma coisa tão insignificante, uma alegria infantil por exemplo, posso tratar vou falar com Deus", a significância é dada por você e nunca devemos ter vergonha da nossa História e daquilo que ela contém e que é significante para nós. 
       Recomeçamos um novo mês, e ao terminar esse mês faz-se o processo novamente, só que começando da Anamnesis e do Poiein do mês anterior, para criar uma continuidade no crescimento espiritual.
         Peçamos que o Espírito Santo nos guie no nosso processo de crescimento espiritual.
         Vem Espírito Santo!

Bibliografia:

MARIA-EUGÊNIO DO MENINO JESUS. Quero ver a Deus. Petrópolis: Vozes, 2015.

NOGUEIRA, Maria Emmir O.; LEMOS, Silvia Maria Lima. Tecendo o fio de ouro. Fortaleza: Shalom, 2013.

TERESA DE JESUS. Obras completas. São Paulo: Loyola, 1995.

Eureka! COMO ALIVIAR A ANSIEDADE ESCREVENDO. Disponível em:   https://www.youtube.com/watch?v=ZP_ZGxqp4Cs

audio sobre o diário de autoconhecimento em Deus. https://www.youtube.com/watch?v=nsF6lM6okGw





quinta-feira, 2 de abril de 2020

MÍSTICA CRISTÃ


MÍSTICA CRISTÃ


O Mistério escondido desde os séculos e gerações (cf. Cl 1, 26), foi-nos revelado em Cristo Jesus (cf. Cl 4, 3). Deus em sua bondade manifesta o Mistério de sua vontade, isto é, reunir todas as coisas em Cristo (cf. Ef 1, 9), a fim de que os seres humanos, estreitamente unidos pela caridade, compreendam o Mistério de Deus (cf. Cl 2, 2).
Jesus revela o Mistério do amor do Pai em toda a sua existência, em suas palavras, em sua maneira de ser e de se portar.[1]  Por isso, o encontro com Jesus é encontro com o Mistério de Deus que se revela, o amor de Deus que vem ao encontro do ser humano numa Entrega encarnada.
            A revelação do Mistério do amor de Deus acontece nos vários encontros que Jesus tem com diversas categorias de pessoas. Nesses encontros, Jesus através de seu estilo de comportamento motivacional, isto é, seu modo de ser, procura suscitar no coração das pessoas a conversão e a fé pela qual o ser humano se entrega a Deus. Dom da fé que torna essas pessoas anunciadoras do Mistério em suas próprias vidas.
            Jesus utilizou-se da pedagogia divina do amor com os doze apóstolos. Jesus os chama e convida para que se tornem pescadores de homens, a reação dos chamados é o desprendimento da vida que levavam, representada pelas redes, para entrega no seguimento (cf. Mc 1, 17-18). Após o primeiro contato, inicia-se o processo do conhecimento e do crescimento, como o demonstra o chamado “dia de Cafarnaum”. Jesus ensina, cura os doentes e declara que evangelizar é o centro de sua missão (cf. Mc 1, 21-39). Jesus escolhe os doze para que ficassem com ele, para depois enviá-los a pregar (cf. Mc 3, 13). É na intimidade com o Mestre que eles aprenderão a serem discípulos e enviados. No envio dos Doze, Jesus recomenda que a missão seja feita com simplicidade e confiança em Deus (Cf. Mt 10, 7-15).
            O crescimento interior do grupo dos doze comporta eventuais crises, isto é, para crescer era necessário passar por problemas, dúvidas, inquietações, decepções etc. Os apóstolos deveriam atender as necessidades dos pobres e sofridos, quando da multiplicação dos pães, os apóstolos sugerem que Jesus despedisse as multidões, porém Jesus lhes diz: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6, 37). Os apóstolos são chamados a servir, mas no itinerário de crescimento na fé se pensa em ser o maior, em dominar, em ter o poder. Por isso, diante de uma discussão de quem seria o maior, Jesus exorta: “Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos” (Mc 9, 35). O fruto do itinerário é o reconhecimento de Jesus como Salvador, que se traduz em testemunho apostólico de dar a própria vida ao serviço dos irmãos, inclusive no martírio. Esta é a maturidade apostólica que se consegue ao seguir o Senhor Jesus.         
Outros encontros pedagógicos com Jesus aconteceram. O encontro pode ser através da pregação, na qual Jesus procura mudar a disposição interior dos ouvintes, levá-los a uma compreensão correta da lei, para que assim aprendam a amar. Por exemplo, o discípulo do Reino de Deus não deve se contentar com “não matar”, mas não é permitido nem se encolerizar com seu irmão (cf. Mt 5, 21-22).
            Jesus foi ao encontro dos pecadores e dos que estão doentes, daqueles que estão sob a dominação e excluídos do convívio do amor (cf. Mc 2, 17).
Outras vezes, foi no encontro pessoal que a disposição interior foi motivada por Jesus. Nesses encontros, Jesus acolhe efetiva e afetivamente as pessoas, como por exemplo, as crianças (cf. Lc 18, 15), bem como acolhe as demonstrações de afeto, como as da pecadora arrependida (cf. Lc 7, 36-50).
Outros exemplos. Jesus entra de modo ousado na vida do pecador Zaqueu (cf. Lc 19, 1-10), sem se importar com o olhar da multidão. Por outro lado, Zaqueu, respondendo ao convite de Jesus, muda suas disposições pessoais em vista do Reino de Deus, apresentando os sinais concretos de que quer aprender a amar no dom ao outro, conforme ele mesmo diz: “Senhor, eis que dou a metade de meus bens aos pobres, e se defraudei a alguém, restituo-lhe o quádruplo” (Lc 19, 8).
            Jesus no contato com a hemorroíssa (cf. Lc 8, 40-56) não despreza a sua fé incipiente ou mágica, mas a acolhe misericordiosamente, transformando uma crença mágica numa fé que salva,[2] levando aquela mulher à plena dignidade de uma filha de Deus (cf. Lc 8, 48). No caso da Samaritana se evidencia a incompreensão humana diante do Mistério do amor de Deus (cf. Jo 4, 1-42). Mas a paciente pedagogia divina não somente satisfaz às suas aspirações humanas, mas também as suscita.[3] Jesus quer fazer aquela mulher crescer, a partir de sua disposição pessoal, quer levá-la a se modelar ao projeto de Deus, tornando-a uma testemunha do Reino (cf. Jo 4, 39). No centurião, Jesus encontra a abertura plena à salvação, pois o centurião acredita plenamente na eficácia da Palavra (cf. Lc 7, 1-10).
            Entretanto, Jesus também se encontrou com a incompreensão humana do Mistério relevado nele. Os conterrâneos nazarenos de Jesus (cf. Mc 6, 1-6) tentam enquadrar Jesus dentro de seus parâmetros de “filho do carpinteiro” e se prendem aos milagres como extravagâncias divinas, por isso não se abrem ao amor de Deus e por conseqüência fecham-se à autodoação de Deus.
            Jesus anuncia a salvação e através de sinais demonstra o amor de Deus pelos homens. O cume dessa obra de salvação é a Entrega de Cristo a seu Pai por nossos pecados. Jesus amou o ser humano até o extremo (cf. Jo 13, 1). Por sua vez, o fechamento do ser humano a Deus é sanado pela Entrega salvadora de Jesus em seu sacrifício. Essa auto-entrega na Cruz é que atrai e atrairá o ser humano ao amor de Deus, como diz o próprio Jesus: “quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12, 32).
            São Paulo vai afirmar que:
“Eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria. 2 Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado. 3 E foi em fraqueza, temor e grande tremor que eu estive entre vós. 4 A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, 5 para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus”.[4]

            A sabedoria de Deus é Cristo crucificado, sabedoria escondida em mistério e agora revelada (cf. 1 Cor 2, 7). Como também o Reino de Deus é dado a conhecer àqueles que estão na intimidade de Jesus e não aos de fora (cf. Mt 13, 11). 
            A cruz se torna Fonte da Vida para todo ser humano. Antes de morrer, Jesus institui o memorial de sua Entrega, e cada ser humano deve ser atraído a este mistério do amor de Deus presente na Eucaristia, como centro da vida da Igreja e da Mística. Cada ser humano é, pois, chamado a amar como Cristo amou, isto é, na Entrega ao outro, na graça da autodoação (cf. Jo 13, 34). Esse é o Mistério ao qual cada ser humano deve motivar-se, aprendendo do Mestre a se entregar ao próximo e a Deus.
Portanto, Jesus revela o Mistério do amor-entrega de Deus ao ser humano. Em sua pedagogia de amor Jesus leva as pessoas a se abrirem a esta Entrega e a viverem em suas vidas.
Essa experiência hoje é vivida pelo cristão, e numa dimensão mística a experiência do amor de Deus é intuída, confirmada pela Revelação, na Bíblia e na Tradição, e nos sinais do amor de Deus hoje, na Liturgia e na Vida.
Por isso, uma Mística Cristã, pode ser pensada através dos pontos seguintes que serão posteriormente trabalhados:
- Mística Cristã, isto é, a experiência intuitiva e simbólica do Mistério de Deus Revelado em Jesus Cristo, deve estar de acordo com a Sagrada Escritura e com a Tradição da Igreja. “E sempre fui amiga deles (dos letrados), pois, mesmo que alguns não tenham experiência, não se opõem ao que é espiritual nem o ignoram, já que, nas Sagradas Escrituras que estudam, sempre acham a verdade do bom espírito” (Santa Teresa de Jesus, Livro da Vida, 13, 18).
- Busca encontrar Deus na Liturgia e experimentar o Mistério presente no Esplendor da celebração do Mistério Pascal.
- Os sinais do amor de Deus são perscrutados em cada relacionamento humano e na natureza que ressoa a voz de Deus (cf. salmo 19).
- O Espírito Santo é o Mestre Interior que conduz a experiência mística, sem aniquilar o humano, mas assumindo-o e levando até Deus.
- A Mística Cristã é eclesial. Toda a experiência mística leva a um amor profundo pela Igreja e contemplá-la como o Corpo Místico de Cristo.
- A Mística é experiência de Entrega, na oração e na vida, seja de Deus a nós por seu Filho no Espírito, e também nossa entrega a Deus em nossa vida. “Para mim, a oração mental não é senão tratar de amizade – estando muitas vezes tratando a sós – com quem sabemos que nos ama” (Santa Teresa de Jesus, Livro da Vida 8, 5).
Enfim, temas variados podem ser trabalhados, mas sempre brotam dessa Entrega e voltamos a Deus através dessa mesma Entrega.


[1] Cf. CATECISMO da Igreja Católica, 1997. Petrópolis: Vozes, 1998, 516.
[2] Cf. FABRIS, R. O evangelho de Lucas. In: Os evangelhos II. São Paulo: Loyola, 1992, (Bíblica Loyola 2), p. 96.
[3] Cf. MAGGIONI, B. O evangelho de João. In: Os evangelhos II. São Paulo: Loyola, 1992, (Bíblica Loyola 2), p. 315.
[4]Sociedade Bíblica do Brasil: Almeida Revista E Atualizada - Com Números De Strong. Sociedade Bíblica do Brasil, 2003; 2005, S. 1Co 2:5

São João da Cruz: Doutor e Místico


São João da Cruz: Doutor e Místico

            São João da Cruz (1542-1591) foi o místico, que juntamente com Santa Teresa de Jesus (1515-1582), empenhou-se na Reforma da Ordem Carmelita no século XVI. São João da Cruz procurava no silêncio e na solidão a busca pela União com Deus e não conseguia ver isso nos Carmelitas de então. Enquanto pensava entrar numa Ordem Religiosa mais austera, encontrou-se com Santa Teresa que propôs uma Reforma na Ordem Carmelita para buscar o ideal de seus inícios: silêncio e solidão na União com Deus. Junto com outros companheiros iniciou essa nova experiência, porém, isso criou um grande descontentamento na Ordem e provocou uma dura perseguição a esses religiosos que buscavam a Reforma, principalmente São João da Cruz.
            No auge dessa perseguição, São João da Cruz foi preso em Toledo por seus confrades em 1577. Nesse sofrimento surge os seus mais belos poemas e pensamentos sobre a união com Deus.
            Para São João da Cruz, a União com Deus provoca na alma a chamada noite escura, fruto não de trevas exteriores, mas do próprio processo da união da alma com Deus:
Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias inflamada
Oh! ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.
(Canções da Alma. Noite Escura).
            Essa noite escura, é causada pelo próprio processo da União com Deus, pois o que a causa é o fogo amoroso de Deus, que vai consumindo a alma e fazendo unir-se ao próprio Deus (Cf. 2 Noite Escura 12,1).
            O fundamento da Mística de São João da Cruz é a União da alma com Deus, e o santo utiliza de toda um aparato literário e simbólico para demonstrar essa união.
            A experiência mística seria então a União, porém “Deus não se comunica à alma mediante qualquer espécie de visão imaginária, semelhança ou figuração e nem é preciso que assim o faça, mas boca a boca, isto é, a essência pura e nua de Deus que é a boca do Deus que ama, com a essência pura e nua da alma que é aboca da alma que ama a Deus” (2 Subida do Monte Carmelo 16, 9).
            Deus chama não os “santos” para entrar em comunhão com Ele, mas o homem pecador que O deseja ardentemente, “pois a conversão do pecador dá a Deus a ocasião de expandir uma medida mais abundante da graça” (Chama Viva de Amor 3, 42). Como disse Jesus: “Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e sim pecadores” (Mc 2, 17).
            Essa União transformante (Cf. Cântico Espiritual 22,3) acontece pelo amor e no amor, como explica o próprio São João da Cruz. “É o próprio Deus quem se comunica à alma, com admirável glória, transformando-a nele; ambos não fazem mais que um, por assim dizer como a vidraça com o raio de sol que ilumina, ou como o carvão inflamado e o fogo, ou ainda como a luz das estrelas com a do sol” (Cântico Espiritual 26, 4).
Na medida que esse intercâmbio entre Deus e a alma acontece, há uma transformação profunda da alma através e no amor de Deus. Pois a medida em que Deus se dá à alma, com livre e graciosa vontade, a alma também une sua vontade à vontade de Deus de forma mais livre e generosa. Entrega-se como dom ao mesmo Deus e em Deus. Essa entrega, essa dádiva da alma, é total e verdadeira. A alma começa a experimentar que Deus é verdadeiramente todo seu, e que ela possui esse mesmo Deus como sua única e verdadeira herança, e sente-se como filha adotiva de Deus, não por mérito seu, mas por graça concedida por esse mesmo Deus, que se dá à alma (Chama Viva 3,78).
Sem entrar nas dimensões cristológica  e trinitária desse processo de União, mas queremos mencionar que o Espírito Santo é esta chama que vai queimando no amor as almas (Cf. Chama Viva 1,19) e nessa transformação “é a caridade causa e meio para comunicação dos dons divinos” (2 Subida do Monte Carmelo 29, 6). E assim “A transformação da alma em Deus por amor logo se opera” (1 Subida do Monte Carmelo 2,4). Uma vez transformada essa alma se torna verdadeiramente “sal da terra e luz do mundo” (Cf. Mt 5,13-14).
Peçamos ao Senhor, pela intercessão de São João da Cruz, que façamos essa experiência do Amor de Deus, que seja uma experiência de União e ao nos unirmos ao Senhor, sejamos transformados por seu amor, e nos tornemos transformantes da humanidade, hoje, tão distante de Deus.

CAEMEM SÃO MIGUEL ARCANJO


CAEMEM SÃO MIGUEL ARCANJO
CENTRO DE ALTOS ESTUDOS DE MANIFESTAÇÕES E EXPERIÊNCIAS MÍSTICAS SÃO MIGUEL ARCANJO
FRATERNIDADE JESUS SALVADOR


O CENTRO DE ALTOS ESTUDOS DE MANIFESTAÇÕES E EXPERIÊNCIAS MÍSTICAS SÃO MIGUEL ARCANJO (CAEMEM SÃO MIGUEL ARCANJO) é uma entidade Eclesiástica cujo fim primário é a formação daqueles que o procurarem, dando-lhes sólidos fundamentos filosóficos e teológicos, para estudo da Mística cristã, de acordo com a Santa Sé, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Bispo diocesano.
O CAEMEM SÃO MIGUEL ARCANJO a partir do patrimônio filosófico da humanidade, da Bíblia, do Magistério e da Tradição da Igreja, do pensamento teológico católico e da Mística cristã, tem por objetivo auxiliar a Igreja Católica, através de estudos e da pesquisa acerca de manifestações místicas, averiguação de suas fontes, publicações de revistas e livros, teologia do carisma salvista (Laus Dei), formação de estudiosos e peritos nesta área e organização de biblioteca especializada.

“Objetivos

1. Auxiliar a Igreja Católica, através de estudos e pesquisas acerca de manifestações de qualquer etiologia, referentes, ao conhecimento de fenômenos surgentes do espírito, da psíquicas, parapsicológicas, desvendando-os e os desvelando se aparentes, falsos, verdadeiros, místicos; e a respeito destes, os místicos, se sobre-humanos, sobrenaturais ou não.

2 – Manifestações pessoais ou coletivas.

3 – Escritos e suas interpretações, cotejando-os entre si e demais escritos, sobre os mesmo assuntos, quer entre os modernos e contemporâneos, quer entre os antigos; no que coincidem e no que divergem, superficialmente ou em profundidade; no que concordam com a doutrina católica e no que discordam; de tudo tentando fazer uma somatória e uma síntese.

4 – Publicações de revistas e livros especializados sobre os resultados das pesquisas.

5 – Publicações íntegras e completas de livros e escritos místicos, somente de cunho cristãos, e relançamentos de livros espirituais de autores do passado, quando válidos para o nosso tempo e de proveito da Igreja, para o Povo de Deus.

6 – Escola de formação de estudiosos e peritos nesta área, ainda muito desconhecida e nem sempre bem apreciada por quem pouco se interroga sobre os mistérios humanos e os divinos ou ao menos inexplicáveis diante da Ciência, da Filosofia e da Teologia.
7 – Convites especiais a peritos nacionais e estrangeiros tentando organizar um corpo de cientistas nesta área, para que sirvam de testemunhos conceituados na elucidação de casos, em benefício de todos os cristãos e, em especial, da Igreja Católica.

8 – Organização de Biblioteca especializada, composta de livros e revistas de procedência nacional ou estrangeira. Contanto entre congêneres e pessoas de projeção internacional. Serviços de tradução, informatização, etc”.

Pe. Gilberto Maria Defina, sjs. CONSTITUIÇÕS, REGRAS DE VIDA, ORDENAÇÃO DE ESTUDOS. Fraternidade Jesus Salvador. 1995.

CRONOLOGIA - PE GILBERTO MARIA DEFINA, SJS


CRONOLOGIA - PE GILBERTO MARIA DEFINA, SJS

02.08.1925 – nascimento em Ribeirão Preto
05.02.1938 – entrada no Seminário Menor (claretianos)
08.12.1940 – Consagração à Nossa Senhora
11.11.1941 – Retirada do Seminário Claretiano
1942 – Entrada no Seminário menor secular – Campinas
1943 – Seminário Maior – Curso de Filosofia -  Seminário Central do Ipiranga – Imaculada Conceição.
25.12.1944 – Afastamento do Seminário por doença
1946 – Conclusão do Curso de Filosofia
1947 – 1950 – Curso de Teologia
03.12.1950 – Ordenação presbiteral – Catedral de ribeirão Preto
10.12.1950 – Primeira Missa – Igreja Nossa Senhora do Rosário
1950 – Nomeado Coadjutor da Catedral do Cônego Jaime Luiz Coelho
5.2.1955 – Nomeado Pároco de São Simão – SP.
02.1967 – Vinda a São Paulo para acompanhar seminaristas de Ribeirão Preto.
1.04.1971 – Fundação da Unifai – no antigo Seminário Central do Ipiranga.
09.12.1987 – Efusão do Espírito Santo – Grupo de Oração Renascer em Cristo – Capela do Internato Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga.
10.02.1993 – Fundação da Fraternidade Javé Salvador
20.09.1993 – Ida à Medjugorje
13-18.09.1993 – VII Conferência Internacional de Líderes Carismáticos Católicos
27.05.1993. Decreto de aprovação “ad Tempus” dos Estatutos da Fraternidade Carismática Católica Senhor Javé” da Diocese de Santo Amaro.
30.03.1994 – Decreto de aprovação “Ad Tempus” da Ordem da Fraternidade Senhor Javé Salvador e de suas Constiuições da Diocese de Santo Amaro, em São Paulo, Brasil.
17.09.1994 – Fundação do Instituto Missionário Servos de Jesus Salvador (Seminário Nossa Senhora de Pentecostes) e Instituto Missionário Servas de Jesus Salvador (Convento Nossa Senhora de Pentecostes). Emissão de votos perpétuos nas mãos de Dom Fernando Antonio Figueiredo, Casa de Retiro São José, Diocese de Santo Amaro.
16.02.1995 – Constituições, Regras de Vida e Ordenações de Estudos da “Ordem da Fraternidade Senhor Javé Salvador”.
05.12.2004 – Falecimento – Hospital Beneficência Portuguesa – São Paulo – SP.