DIÁRIO
DE AUTOCONHECIMENTO EM DEUS
“Observareis
todos os mandamentos que hoje vos ordeno cumprir,
para que vivais e vos multipliqueis, entreis e possuais a terra que Iahweh, sob
juramento, prometeu aos vossos pais. Lembra-te,
porém, de todo o caminho que Iahweh teu Deus te fez percorrer durante quarenta
anos no deserto, a fim de humilhar-te, tentar-te
conhecer o que tinhas no coração: irias observar seus mandamentos ou
não?” (Dt 8,1-2)
Há muita
necessidade de diretores espirituais e orientadores para que possamos crescer
espiritualmente, porém, muitas vezes não conseguimos encontrar ou não há
disponibilidade de pessoas para isso. Mas então ficaremos ao léu, jogado ao
gosto das ondas do mar da vida? Não. Deus não nos desampara, porém precisamos
de instrumentos para isso. O Diário de autoconhecimento em Deus pode ser um
instrumento para crescermos espiritualmente.
A
própria Sagrada Escritura nos dá um rumo para isso. Na passagem acima de
Deuteronômio nos diz que é preciso observar os mandamentos, cumpri-los,
“fazer”, a vontade de Deus precisa ser realizada em nossa vida. Por isso, somos
convidados a lembrar o caminho que Deus nos fez percorrer em nossa vida. Não
escolhemos os nossos pais, porém é preciso entender o que foi todo o nosso
processo educacional. Hoje decisões tomamos, provados somos o tempo todo, porém
se não entendermos o sofrimento, este simplesmente passará e não aproveitaremos
nada de crescimento. É preciso conhecer o que temos no coração, o centro da
nossa decisão, para podermos realizar a vontade de Deus em nós.
Será que é preciso mesmo se autoconhecer? Há pessoas que tem
medo de se autoconhecer ou tem preconceito por causa da influência de correntes
gnósticas ou de outras religiões. Mas leiamos o que diz Frei Maria-Eugênio:
“Conhecer a Deus,
conhecer-se a si mesmo à luz de Deus: é este o duplo conhecimento que constitui
o fundamento da vida espiritual, regula seu movimento, indica-lhe os progressos
e assegura sua perfeição” (Frei Maria-Eugênio do Menino Jesus, OCD. Quero ver a
Deus. Petrópolis: Vozes, 2015, n. 53).
O autoconhecimento, conhecer-se a si próprio, sempre à luz
de Deus e assim conhecemos Deus. Mas como?
Gn 1,26-27 26Deus
disse: "Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que eles
dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as
feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra". 27Deus criou o homem
à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou.
Se somos imagem e semelhança de Deus, nós temos que conhecer
esse Deus que está em nós. Somos Templos do Espírito Santo (cf. 1 Cor 6,19),
morada de Deus (Cf. Jo 14,23), então devemos conhecer Deus que se hospeda em
nossos corpos, conhecer a imagem de Deus que somos. O salmo 139 vai no mesmo
sentido:
“Eu te celebro por
tanto prodígio, e me maravilho com as tuas maravilhas! Conhecias até o fundo do
meu ser” (Salmo 139,14). Deus nos conhece totalmente e quer que o glorifiquemos
pela maravilha que é a nossa vida, o nosso ser.
Jesus também é
aquele que conhecia o que é o ser humano:
Jo 2,24-25
Mas Jesus não
tinha confiança neles, porque os conhecia a todos 25e não necessitava que lhe
dessem testemunho sobre o homem, porque ele conhecia o que havia no homem.
E se é do coração
que brota os pecados, é do mesmo coração que brotam as virtudes. O coração é o
centro das decisões, por isso precisamos entender como nós decidimos. E qual é
o objetivo final? São Paulo nos diz:
Gálatas 2.20
“Logo, já não sou
eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne,
vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim”.
O objetivo é que
eu não mais viva, mas Cristo viva em mim. Então serei despersonalizado? Não,
serei mais eu. Se fomos criados à imagem e semelhança de Deus, e o Verbo
encarnado é a imagem do Pai e fomos criados à semelhança dessa imagem. Conforme
Colossenses diz de Jesus: “Ele é a Imagem do Deus invisível, o Primogênito de
toda criatura” (1,15). Então devemos conhecer-nos para atingir Cristo vivendo
em cada um de nós. Esse é o objetivo, fomos criados para isso.
Por fim, enquanto
envelhecemos, São Paulo nos diz, o homem exterior vai para a ruína, o homem
interior tem que crescer sempre, (Cf. 2 Cor 4,16) por isso é preciso conhecer
esse homem interior para fazê-lo crescer pela graça de Deus. Idade não faz
ninguém crescer, tanto que há pessoas más e com muitos cabelos brancos, o nosso
crescimento é interior, é crescer em decisões por Deus, para realizar atos de
virtude que louvam a Deus.
Olhemos agora o que Santa Teresa de Jesus diz sobre
autoconhecimento ou conhecimento de si:
1. A finalidade do
autoconhecimento é conhecer a Deus:
“A meu ver, jamais
chegamos a nos conhecer totalmente se não procuramos conhecer a Deus. Olhando a
sua grandeza, percebemos a nossa baixeza...” 1 M 2, 9.
2. A humildade, aceitar
que somos criaturas, a verdade que somos, é a chave do autoconhecimento em
Deus, também para não cairmos no orgulho:
“Por isso digo, filhas:
ponhamos os olhos em Cristo, nosso bem, e com ele aprenderemos a verdadeira
humildade...Isso evitará que o nosso conhecimento próprio se torne rasteiro e
covarde”. 1 M 1 M 2,11
3. O caminho espiritual é
entendermos também porque pecamos. Há pessoas que pecam, se confessam, e
esquecem. Fazendo isso podemos voltar aos mesmos pecados. Entender porque
pecados é fundamental para não voltarmos aos mesmos pecados e isso faz parte do
nosso autoconhecimento e se torna fator de crescimento espiritual.
“os pecados e
conhecimento próprio são o pão com que todos os manjares, por mais delicados,
devem ser comidos nesse caminho da oração – sem o qual ninguém poderia se
sustentar V 13,15
4. A finalidade da
contemplação é o autoconhecimento:
“por mais elevada que
seja a contemplação, concluir sempre com o conhecimento próprio” C 39,5
5. Um dia de humilde,
frisemos o humilde, autoconhecimento é maior graça do que muitos dias de
oração:
“E considero maior graça
de Deus um dia de humilde autoconhecimento, mesmo à custa de muitos sofrimentos
e aflições, que muitos dias de oração” F 5,16.
E porque escrever?
O escrever, inclusive manuscrito, nos
ajuda a objetivar o interior, sentimentos, ideias, nos ajuda a trabalhar o que
temos em nós.
O registro escrito faz parte da nossa
vida e até da Revelação:
Ex 24,4a Moisés
escreveu todas as palavras de Iahweh.
Esse diário será feito sempre diante de
Deus. Não é um autoconhecimento orgulhoso de si mesmo, mas para conhecer a
imagem que somos de Deus e o próprio Deus, por isso será feito sempre no
diálogo com Deus. Nunca será “Meu Diário”, mas “Meu Deus” ou “Senhor nosso”. É
um diário orante.
Os salmistas foram homens que
registraram a experiência de vida própria ou do seu povo, olhemos esses dois
exemplos:
Salmo 119,71
71Foi-me bom ter eu
passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos.
Salmo 76 (77)
–10 Será que Deus se esqueceu de ter piedade?
*
Será que a ira lhe fechou o coração?
–11 Eu confesso que é esta a minha dor:
*
‘A mão de Deus não é a mesma: está mudada!’
–12 Mas, recordando os grandes feitos do
passado, *
vossos prodígios eu relembro, ó Senhor;
–13 eu medito sobre as vossas maravilhas
*
e sobre as obras grandiosas que fizestes.
Somente uma pessoa que se conhece,
conhece o que passou dentro do sofrimento pode entender que foi bom sofrer para
poder aprender os decretos, o fazer a vontade de Deus. E no segundo caso, o
salmista é franco perante Deus, questiona-se de onde está Deus perante a
maldade humana. E o que o salmista faz, qual a solução? Recordar a obra de Deus
no passado. Um bom exemplo, de como um diário é escrito, é o diálogo do
salmista:
“Por que te
curvas, ó minha alma, gemendo dentro de mim? Espera em Deus, eu ainda o
louvarei, a salvação da minha face e meu Deus” (Salmo 42,6).
O salmista dialoga consigo mesmo, mas
sempre perante Deus. Assim deve ser escrito um diário que busca o autoconhecimento
em Deus.
Como será a prática?
Pegue uma agenda não utilizada, ou um caderno, e escreva o
seu diálogo com Deus sobre aquilo que acontece em sua vida e em sua história, sempre iluminados pela Palavra de Deus contida na Sagrada Escritura. Afinal de contas, a Sagrada Escritura é o registro do que homens e mulheres fizeram
no seu relacionamento com Deus e com os homens e consigo mesmas, quais as
decisões que tomaram, e aprendemos com essas decisões. Esse diário será a sua
“Bíblia”.
Registro
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- Data
- Tema se você quiser colocar.
- Sempre reportando-se a Deus, o diário é um
diálogo com Deus.
- De maneira orante, isto é, não fazer uma
oração, mas um diálogo com Deus.
- Utilize códigos para evitar expor foro interno.
Às vezes a pessoa quer falar de sua afetividade, ou de pecados, e fica
constrangida em colocar isso por escrito e alguém possa ler. Utilize códigos
para escrever, outras palavras, metáforas, de modo que somente você e Deus
entenda. Não tenha a preocupação de que isso um dia possa ser lido por
alguém, o importante é ter sempre a frente que o objetivo é teu crescimento
espiritual.
- Seja franco. Como o salmista foi. Sempre
com respeito, estamos tratando com o Nosso Deus, Sua Majestade como diria
Santa Teresa, mas com toda a veracidade, sem hipocrisia. Afinal Ele nos
conhece.
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Final de cada mês
Anamnesis (Memória)
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Três ou mais pontos importantes para registrar do
que aconteceu no mês. Olhe mais uma vez Dt 8,1-2. A ordem é “Lembra-te”.
Então chegamos ao fim de um mês, é bom registrar, pelo menos três pontos
relevantes ou de crescimento, ou de conhecimento, ou grandes ou pequenas
decisões. Por que fazer isso se está tudo registrado? Somo prolixos, muitas
vezes escrevemos e não refletimos, é importante ver os frutos colhidos, e ter
uma objetividade na análise de nosso crescimento espiritual, por isso os três
pontos.
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Poiein (Fazer)
|
3 ou mais pontos para realizar como projeto de
vida para o mês. Projeto, projetar, vem do latim, pró- para frente, jactare,
jogar. Jogar para frente. Olhe mais uma vez Dt 8,1-2. Cumprir é fazer,
realizar os mandamentos, a vontade de Deus em minha vida, portanto, terminado
um mês o que projeto para esse mês, que decisões devo tomar para crescer em
Deus vendo o que foi feito. É necessário tomar decisões, grandes ou pequenas,
não interessa, mas tomar decisões.
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Você não precisa tratar somente do cotidiano, mas às vezes Deus suscita uma saudade extrema, então é hora de trabalhar nossos relacionamentos, as pessoas da nossa vida e mais uma vez fazer e escrever memória. Lembrar da nossa criança interior e de sua história. Fazer uma cronologia de vida, ou no geral, ou por exemplo cronologia da vida de trabalho, da vida de estudo, cronologia de um relacionamento, principalmente se este termina. Escrever para conhecer nossos vícios e virtudes, entender sua origem desenvolvimento, perdoar as pessoas que nos fizeram pecar. Também trabalhar o perdão é bom escrever porque nos ajuda a entender o que aconteceu pois o nosso ódio nos cega e não perdoamos em primeiro lugar porque não entendemos, compreender o nosso relacionamento com a pessoa. Em tudo isso é bom fazer orações por escrito louvando a Deus pela nossa História, orações de entrega de pessoas à justiça e misericórdia de Deus, oração de amorização da criança interior e muitos outros assuntos podem ser trabalhados no nosso diário de autoconhecimento, sempre, sempre em Deus. Até livros que lemos, passagens bíblicas que nos tocam, retiros espirituais que queremos registrar o que nos tocou, mesmo bons filmes que mexem conosco e nos fazem crescer, devemos nos perguntar porque esse filme mexeu conosco e colocar tudo isso perante Deus.
Quais os temas? Simplesmente tudo. Nada está oculto aos olhos de Deus, então tudo aquilo que for significativo deve ser tratado. Como na passagem de Dt 8,1-2, os sofrimentos, tais como as águas de Meriba (Cf. Nm 20,2-13) ou a Serpente de Bronze (Cf. Nm 21,4-9), eu devo ver aquilo que me faz ou fez sofrer e refletir sobre isso. Podemos ficar com vergonha e dizer "como uma coisa tão insignificante, uma alegria infantil por exemplo, posso tratar vou falar com Deus", a significância é dada por você e nunca devemos ter vergonha da nossa História e daquilo que ela contém e que é significante para nós.
Recomeçamos um novo mês, e ao terminar esse mês faz-se o processo novamente, só que começando da Anamnesis e do Poiein do mês anterior, para criar uma continuidade no crescimento espiritual.
Quais os temas? Simplesmente tudo. Nada está oculto aos olhos de Deus, então tudo aquilo que for significativo deve ser tratado. Como na passagem de Dt 8,1-2, os sofrimentos, tais como as águas de Meriba (Cf. Nm 20,2-13) ou a Serpente de Bronze (Cf. Nm 21,4-9), eu devo ver aquilo que me faz ou fez sofrer e refletir sobre isso. Podemos ficar com vergonha e dizer "como uma coisa tão insignificante, uma alegria infantil por exemplo, posso tratar vou falar com Deus", a significância é dada por você e nunca devemos ter vergonha da nossa História e daquilo que ela contém e que é significante para nós.
Recomeçamos um novo mês, e ao terminar esse mês faz-se o processo novamente, só que começando da Anamnesis e do Poiein do mês anterior, para criar uma continuidade no crescimento espiritual.
Peçamos que o Espírito Santo nos guie no nosso processo de
crescimento espiritual.
Vem Espírito Santo!
Bibliografia:
MARIA-EUGÊNIO DO MENINO JESUS. Quero ver a Deus. Petrópolis:
Vozes, 2015.
NOGUEIRA, Maria Emmir O.; LEMOS, Silvia Maria Lima. Tecendo
o fio de ouro. Fortaleza: Shalom, 2013.
TERESA DE JESUS. Obras completas. São Paulo: Loyola, 1995.
Eureka! COMO ALIVIAR A ANSIEDADE ESCREVENDO. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=ZP_ZGxqp4Cs
audio sobre o diário de autoconhecimento em Deus. https://www.youtube.com/watch?v=nsF6lM6okGw